terça-feira, 28 de setembro de 2010

Abertura da semana da mobilidade de 2010 - o professor, o presidente da junta e o governante

Dia 22 de Setembro de 2010, 10:00, da Praça de Espanha para Jardim Zoológico


Comemorado em 22 de setembro de 2010 o dia da mobilidade sem carros, vou tentar comentar a sessão de inauguração da semana, no dia 16, na estação de metro de S.SebastiãoII.
Digo que vou tentar porque o problema dos transportes em Lisboa e em Portugal é de tal modo complexo, porque a estrutura urbana e a organização dos territórios ou se foram degradando ao longo dos anos ou nunca atingiram um estado satisfatório abrangendo a totalidade da população, que nenhum de nós, técnicos ou decisores políticos, consegue isolar soluções redentoras e imediatas.
Por outras palavras, por mais bonito que seja um discurso de um político ou por mais fundamentada que esteja uma proposta técnica, o estado do suporte (uma região urbana, por exemplo) sobre o qual deverá implantar-se a solução de transportes (uma rede ou uma linha de um modo de transporte) impõe um longo estudo pluridisciplinar e participado e a sua concretização exigirá muitos anos.
Como dizia Asterix, hoje não é a véspera desse dia; pelo que estarão longe os dias risonhos em que as cidadãs e os cidadãos, que se levantam cedo para trabalhar, possam deslocar-se para onde produzem mais valias, comodamente instalados em modos de transporte rápidos, seguros e energeticamente eficientes.
Mas isso não impede de pensar hipóteses e testá-las.
Pensar , ainda não paga impostos, e pouco sobrecarrega o orçamento de estado (na verdade é ausência de pensar que agrava os orçamentos).
É esse o sentido dos meus comentários, sem exigir perfeição aos discursos dos políticos, dada a complexidade que referi. Esse e a vontade de participar na solução.
Apenas critico a falta de debate alargado e o secretismo com que se tomam decisões, como foi o caso com a localização do aeroporto na Ota, com o traçado do TGV, com a reformulação do plano estratégico dos transportes .



                                                    O professor

O professor chegou à hora aprazada.
Ao cimo das escadas apertou o botão do casaco e com um olhar abrangente apreciou a plateia em frente do painel dos 3 conferencistas.
Não estavam muitos técnicos. Também não estavam muitos políticos, nem muitos decisores empresariais públicos ou privados, mas estavam ainda assim alguns representantes distintos do “meio dos transportes”.
Um cartaz projetava-se nos écrans com um logótipo novo destacando-se dos outros: uma seta subindo das sete horas para o centro de uma circunferência rompida nessas mesmas sete horas, como Lisboa abrindo-se recetiva à penetração dinâmica dos produtores das mais valias que das periferias demandam o centro produtor da cidade; e um título: “transportes de Lisboa”. Imediatamente abaixo, o logótipo da área metropolitana de transportes de Lisboa, feito de pequenos rastos de deslocação saindo do calcanhar de Mercurio, em escadinha com ponto ao cimo que talvez seja a cabeça , não o calcanhar do deus apressado.



O cartaz que anunciava a semana da mobilidade era apelativo e a mensagem clara: “Vá de transporte público”.
Mas olhando para ele, vi um velocímetro, e o ponteiro na posição de velocidade máxima. E a velocidade máxima estava na zona verde e o TI (transporte individual) estava na zona vermelha.
Que terá feito o subconsciente do especialista de marketing?
Associado contraditoriamente o ideal que vivem os automobilistas de viajar depressa à responsabilidade ambiental de viajar de transporte público?
Mesmo que tenha invertido os papeis do verde e do vermelho?
Ou o ponteiro mostrará o estado de carga da bateria de um veículo elétrico? Não utilizar se vermelho.
Mas escutemos os conferencistas.
O professor começa por aqui mesmo, por se congratular ter sido possível acordar um logótipo dos transportes de Lisboa,.
Talvez contribua para diminuir a perda de passageiros no TC, o transporte coletivo.
E talvez seja indício de ser possível o restante acordo, partilhar receitas. Uma missão impossível neste momento.
Porque não se fazem inquéritos fiáveis às deslocações, diria eu.
O professor continua: que se espera a adoção de uma política tarifária comum entre os vários operadores.
Sim, os produtores das mais valias agradeciam, para não terem de comprar um cartão recarregável num operador e outro cartão noutro operador, apesar do chip ser fabricado na mesma cidade chinesa.
Mas como se repartirão as receitas de forma justa se não há inquéritos fiáveis?
E porque tem de haver tantos operadores? Se não houvesse tantos não era tão difícil repartir receitas…Ah, sim, para permitir a concorrência.
Cidades como Paris, Milão, Bruxelas e Barcelona sempre se deram bem com a concorrência que existe, sim, mas com Régies (operador integrador de vários modos de transporte) . Quem quiser montar uma empresa de transportes monte, concorra à vontade, mas depois não venha pedir subsídios ao estado. O professor não disse isto sobre a concorrência, sou eu que não consigo conter-me, eu e os nossos colegas da RATP).
Mas continua o professor: o TC oferece opções de transporte orientadas para a intermodalidade, a segurança das deslocações e os modos suaves. E o entusiasmo continua apesar de interrompido pelo ruído da chegada de mais um comboio á estação.
Vejam, diz ele, como as estações de metro que se vão construindo são bonitas e bem iluminadas, e como os comboios estão sempre a chegar e a partir, não devia haver razão para o TC perder passageiros.
Choca-se-me o sentimento, e logo por duas razões: realmente o TC perde passageiros (possivelmente porque muitos preferem vir a ouvir musica no IC19 e ainda acreditam na Tatcher que decretou a seguinte barbaridade, no seu tempo de petróleo barato e abundante : “quem tiver mais de 30 anos e andar de autocarro considere-se um falhado na vida”), mas também tenho de lamentar o desperdício em volume de construção subterrânea das novas estações de metro, em energia de iluminação e ventilação, e a precariedade da solução do término da estação de S.Sebastião, com os passageiros a saírem e a entrarem do mesmo lado do comboio.
Porque uma urbanização de Campolide impôs ao traçado do metro, sigilosamente, a curva da Av.Duque de Ávila para a Marquês da Fronteira, em lugar de seguir em frente até à entrada de Campolide, mas numa cota não muito profunda.
Para onde está agora prevista, a construção da estação é profunda e onerosa, tanto que assustou os decisores que quiseram poupar no investimento.
E como a rampa de S.Sebastião para Campolide é de 4%, não é prudente estar a fazer inversões em exploração.
O que quer dizer que o comboio que quer partir de Saldanha para S.Sebastião tem de esperar que o que sai de S.Sebastião para Saldanha mude de via e liberte a respetiva agulha.
E quer dizer também que, se a procura de passageiros aumentar com os custos de combustível, a linha vermelha não vai ter capacidade de resposta e os passageiros amontoar-se-ão nos acessos aos comboios.
Só depois do prolongamento até Campolide teremos inversões normais, com passageiros a sair por um lado e a entrar pelo outro.
Mas a construção de metropolitanos é cara, talvez não se consiga agora por menos de 80 milhões de euros por km, sem contar o material circulante (ver em:
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2010/08/calculos-para-investimento-em-redes-de.html ).

E por isso o professor se volta para o governante e diz: só era preciso prolongar agora o metro até Campolide, para a câmara reorganizar os percursos pedonais em Campolide; o buraco já está feito, só precisávamos de dinheiro para isso.
Ah, professor, não está feito, não, o buraco ficou-se pela entrada da penitenciária (ah, é verdade, o metro não pôde fazer-se por baixo da penitenciária porque os decisores da segurança prisional não deixaram; agora a penitenciária foi vendida para o admirável mundo da imobiliária e o traçado do metro lá ficou, errado). Até à estação futura ainda faltam mais de 300m, e depois há que contar com o término e uma construção caríssima da estação, em poço, porque Campolide é, como se viu, demasiado profunda.
O professor aproxima-se do final da sua intervenção. Não quer fazer esperar os ouvintes nem o operador de televisão que o vai entrevistar depois da sessão sobre os novos esquemas de circulação na cidade.
Vamos todos lutar pela aplicação do tarifário integrado, pondo as empresas de acordo. É então que me recordo que não é a mim que me devem tentar convencer. Corria o ano de 1978 e eu tomei a iniciativa de convencer os decisores do metropolitano de então a alterar a largura dos bilhetes Edmonson de 30 mm para 42 mm de largura. O trabalho que deu aos nossos serralheiros… Apenas porque a companhia Carris tinha equipado os seus autocarros com obliteradores para bilhetes de 42 mm e não aceitou a nossa proposta de regressar aos 30 mm. Largura não é tarifário, mas a ideia na altura já era um cidadão comprar um bilhete num modo de transporte que lhe permitisse viajar noutro modo de transporte. Isto em 1978. Objetivo ainda não atingido em 2010. Não seria altura de ouvirem outras opiniões?
Mas esta foi uma pergunta interna minha, que o professor passou para outro tema candente:
Que temos de mudar, que todos têm de pagar os custos dos transportes (segundo alguns, pagar… já pagamos) e ainda bem que o conferencista seguinte preside à única câmara que mantem um serviço municipal de transportes, alem de presidir à junta metropolitana de Lisboa. Porque as autarquias têm de arranjar dinheiro para pagar os custos dos transportes, as empresas terão de retornar o benefício de lhes porem os funcionários no local de trabalho, e os operadores terão de se integrar.
Como diria Hermann José, têm de se organizar.
Mas ai, o problema do dinheiro, ai.


                                              O presidente da junta

Avança o segundo conferencista, que já se sabe preside à junta metropolitana de Lisboa.
Eu escrevo que preside porque não lhe quero chamar autarca . Que autarca significa uma coisa muito feia, que vem do grego, autoarkes, que significa governante de governo de um homem só, isto é, autocrata, que é coisa que não se deve ser.
E junta metropolitana é aquilo que se consegue no contexto em que vivemos, e é pouco, que os limites do município de Lisboa andam tão restritos, que podiam pôr os olhos em Londres e estudar a reforma das autarquias que lá fizeram em 1990.
Por isso o conferencista não se esquece de incluir o pedido de meios para que a junta funcione, a junta e a autoridade metropolitana de transportes, para que a mobilidade seja um fator de desenvolvimento e que Lisboa seja a cidade das duas margens, poli-nucleada, não dividida mas integrada.
Estas palavras puseram os ouvintes a meditar e eu em particular, a tentar medir a distancia entre elas e a concretização. Como conseguir convencer os presidentes das câmaras de Lisboa e das cidades envolventes a seguir o caminho da integração? E por onde é, o caminho? Eu não tenho a resposta, mas nestas questões de transportes não consigo esquecer-me de uma iniciativa de um dos anteriores ministérios dos transportes. Requisitou uns gurus de marketing e outros de gestão , requisitou dois pendolinos, um do Porto e outro de Lisboa, e embarcou tudo quanto era administrador e diretores de empresa publica de transportes com destino a Coimbra, num frio mas solarengo dia de Dezembro, já há uns anos. Depois, nas salas do estádio municipal, os gurus de gestão aplicaram a velha fórmula: divisão em grupos, apresentação das conclusões de cada grupo e sua integração no painel geral. Seria este o caminho em que o presidente da junta metropolitana estava a pensar? E se tivermos seguido este caminho e chegado a conclusões, os decisores terão humildade que baste para aplicara as conclusões de modo a que o interesse coletivo se sobreponha ao interesses particulares ou de grupo?
Mas a intervenção prossegue com mais uma lista de temas:
- formas de financiamento
-a descoordenação nos transportes coletivos
- como aumentar a adesão ao TC
- a integração tarifária
-os interfaces
- a interligação com a política de ordenamento e de organização territorial
- a mobilidade como fator de atratividade para as cidades
-o papel da regionalização na coordenação dos transportes

O presidente da junta termina manifestando a sua satisfação por ter sido possível realizar esta semana da mobilidade.
Partilho da satisfação, sinceramente, mas sinto novamente, como uma preocupação latente, a distancia entre o diagnóstico e a cura, a dificuldade em organizar as equipas pluri-disciplinares e pluri-empresas, a ineficência com se faz o levantamento dos problemas e das soluções.
Retenho da intervenção a imagem da cidade de duas margens poli-nucleada. Lembro-me de que Paris é isso, Londres, Praga, Budapeste, Hong Kong. Verdade que o Sena é como o rio da minha aldeia quando comparado com o Tejo e que não temos os fundos de que Hong Kong dispôs para construir os seus túneis subaquáticos rodoviários e ferroviários, mas o que nos impede de fazer os projetos corretos e discutir o financiamento depois? A tal ineficiência porque só alguns podem decidir?



                                            O governante


O orador seguinte será o último do painel e é governante.
Vai fazer uma lição, que professor é. E começa como os professores experientes sabem que devem começar quando querem acordar a assistência, com uma fraze contundente:
“Tal como está a mobilidade é insustentável”
Subjugados pelo carater definitivo do diagnóstico, tentam recuperar do choque os ouvintes enquanto escutam a fundamentação:
- que o transporte individual (TI) tem um peso excessivo
- que assim sofremos de excesso de:
- emissões de gases nocivos
- consumos energético
- congestionamento nas vias de comunicação

A exposição é interrompida pelo excesso de ruído de mais um comboio que chega e que é transformado num fator de regozijo porque a qualidade do TC está a aumentar. Custa-me a aceitar que um ineficiente tratamento acústico da estação seja considerado fator de qualidade, pese embora a inovação do relevo nos azulejos de revestimento. A ausência de tratamento acústico arquitetónico é confrangedora, assim como a insuficiente insonorização da via férrea, pese embora a utilização de manta elastómera sobe o leito betonado de via. Custa-me aceitar que as limitações de exploração do trabalho realizado estejam ocultas pela procura que não cresce.

Mas já o governante põe o dedo na ferida: o TC tem de aumentar e garantir uma taxa de ocupação elevada. É essa a questão. O metro sul do Tejo tem agora uma procura de 25% da que foi estimada em projeto, porque falhou a integração modal.
Se um modo de transporte pesado atinge o breakeven (as receitas igualaram as despesas) mais um incremento, então pode reduzir as suas tarifas, por exemplo, cobrar menos ao sábado e ao domingo, porque o problema do produto de uma empresa de transportes, o lugar.km, é não ser stockável , desaparece assim que produzido, é como o fogo de artifício (esta do fogo de artíficio não foi o conferencista que disse, fui eu que pensei). E outro problema é as empresas de TC andarem a querer cativar os clientes de outros modos de transporte coletivo, em vez de se centrarem na população alvo dos utilizadores do TI. Oh que concorrência suicida.

Fico um pouco confundido, porque isso já fazemos, já vendemos abaixo do preço do custo, apesar das receitas não conseguirem atingir as despesas. E se no metropolitano quisermos cobrir as despesas com as receitas teriamos de subir, subir as tarifas e ameaçar o carater social do passe (realmente, se os cidadãos recebem o mesmo subsidio quando compram um passe independentemente do seu rendimento, os cidadãos de menor rendimento estão a subsidiar os cidadãos de maior rendimento, a menos que se considere como um retorno para o cidadão de maiores recursos por ter pago mais imposto). O que me leva a manter a dúvida:  porque não se exerce o carater social em bonus de desconto automático nos bilhetes simples e se vai elimnado o passe, como politica de simplificação tarifária e aproximação dos custos às receitas? (mas isto são divagações minhas, no meio da insustentável dificuldade do problema).

Segue-se pelo conferencista uma lista de intenções:
- encontrar novas fontes de financiamento para os investimentos no TC garantindo que os novos meios financeiros são bem investidos;
- fazer a abordagem dos transportes de forma integrada (ver intervenções dos dois conferencistas anteriores)
- desenvolver a mobilidade através de planos municipais, dos planos das empresas e do apoio do IMTT (e aqui surpreendo-me a pensar: como poderá isto fazer-se, se não estamos a controlar a dessurbanização e a desertificação gritantes das nossas principais cidades? E como colaborar nesta meritória ação, se não dispomos ainda do prometido em fevereiro deste ano plano estratégico dos transportes atualizado?)
- internalizar os custos de externalidades

Aqui devemos deter-nos, primeiro para traduzir esta linguagem tão querida dos economistas, para o que vamos à wikipedia para ver o que é uma externalidade (ver em:
http://en.wikipedia.org/wiki/Externality  ).

Externalidade de uma transação económica é o impacto, ou o que se abate sobre (“spillover”), um cidadão ou uma cidadã que não estiveram diretamente envolvidos na referida transação. Vale dizer que o custo da transação não inclui os custos todos, não inclui as indemnizações aos prejudicados.
Como consequência de um cidadão encher o depósito de gasolina e consumi-lo a ir para o emprego ou a vender equipamentos em ambulatório, outros cidadãos respiram os gases nocivos do escape do seu automóvel, sofrem os efeitos do congestionamento nos seus veículos de TC, sujeitam-se às consequências da emissão adicional de gases de efeito de estufa, têm de pagar a manutenção das estradas, etc, etc.(“as alterações climáticas antropogénicas são o maior exemplo de falha do mercado”)
E então, haverá que internalizar estes custos. Isto é, de os incorporar nos esquemas de compensação aos cidadãos que não intervieram na referida transação, mediante as taxas a que a Wikipedia chama pigovianas.
Talvez que a ideia das indemnizações compensatórias fosse esta, mas o interessante será notar que numa externalidade negativa (é que também há positivas, a polinização das abelhas como efeito benéfico do negócio das colmeias) a oferta e da procura são duas curvas de oferta, uma social e outra privada, e uma curva de procura. Existe um custo privado (o que o automobilista paga no posto de gasolina e ainda se queixa de que é muito) e um custo social (o mesmo custo mais o custo da poluição e das emissões adicionas de gases com efeito de estufa).


Como o professor Daniel Barbosa ensinava, é na manipulação das quantidades que se deve atuar, e do gráfico se retira que a quantidade de lugares.km tem de ser reduzida para ajustar a quantidade ao preço social que é mais alto.
Isto é, tem de se reduzir o numero de veículos em transito recorrendo ao TC.
Por outras palavras, é a própria economia que explica que não se pode aumentar o tráfego de TI.
Pobre Adam Smith (ou melhor, a perceção que temos de Adam Smith, que o original devia ser muito melhor do que as cópias de agora) e pobres defensores do laissez-faire (que o laissez passer todos aceitamos mais ou menos nos tempos que correm) que não querem reconhecer que o mercado livre não resolve o problema dos transportes.


Mas tudo isto sou eu a divagar pela Wikipedia, porque o conferencista já atacava valentemente o problema: que o preço de venda deveria cobrar o preço da produção do transporte. Porque, como está, o transporte está a subsidiar as empresas, não só por pôr os empregados no local de trabalho, como por estar a levar os clientes aos centros comerciais. Além de que tem a ação social de permitir à maior parte da população o acesso à mobilidade (se as tarifas forem baixas).
Mas para as tarifas serem baixas o diferencial preço de custo – preço de venda terá de vir do orçamento de Estado, porque não vem dos beneficiários, das autarquias enquanto representantes das comunidades e das empresas, enquanto beneficiadoras e produtoras de mais valias.

Damned, virámos o rabo da pescadinha, assim não pode ser (agora sou eu a pensar, e realmente é, o pobre metro de Lisboa só consegue cobrir 23% dos custos de produção se contarmos com os encargos financeiros devidos aos investimentos, e 36% se deixássemos os encargos financeiros para o orçamento de estado ; as tais indemnizações compensatórias recebidas cobriram mais 10% e 17% com e sem encargos financeiros – como estamos abaixo da linha de flutuação).

E é por estas e por outras que o governante conferencista vocifera: para cobrir a diferença entre as despesas e as receitas, as empresas têm de recorrer à banca porque as indemnizações não chegam. Temos de reinventar a interligação das externalidades, porque estamos a financiar o dono do automóvel com os custos de saúde para as vítimas das externalidades, com os custos dos acidentes, com os custos das coberturas hospitalares e com os custos da manutenção de estradas, ruas e viadutos(e também com os custos da construção, se quisermos considerar os encargos dos investimentos).
E é por isso que o Estado terá de ir buscar ao imposto sobre os produtos petrolíferos ISP fundos não só para as estradas mas também para o complemento do TC. (Preocupa-me um pouco considerar o ISP como uma galinha de ovos de ouro, como diz o Automóvel Clube de Portugal, mas vamos aguardar as propostas do governo, porque na verdade, como manda a lei da oferta e procura, a quantidade de lugares.km do TI tem mesmo de baixar, é inevitável).

O conferencista regressa em tom mais conciliador à pedagogia do transporte: a integração faz-se através da definição e da coordenação das redes, não pela concorrência sobre os mesmos eixos ou entre percursos da matriz emprego-habitação (mas permanece a dúvida: como fazer isso sem estar definido o plano estratégico?); não esquecer também que os níveis da capacidade de transporte são específicos para cada modo de transporte; porém se o tráfego nos troços periféricos é menor, também é verdade que o traçado de uma rede de transportes pesados é estruturante do ponto de vista da urbanização. E enquanto a urbanização (habitação-serviços-comércio-oficinas) não chega, veja-se o bom exemplo da FERTAGUS : carreiras de autocarros e park and ride sobre a linha férrea (o contrato com o Estado também dá uma ajuda, penso eu).
E também se deve atrair os passageiros não cativos, com uma informação pela Internet mais evidente do que a atual e com um tarifário menos complexo do que o atual, informando “como ir” e “quanto custa”. E eu penso, OK, integremos, pois, que um título seja válido em qualquer modo e que o tarifário seja simples. Que a CP nos dê o braço a todos com a carga do Zapping e mais park and ride.
E eis o óbice, a repartição de receitas.

Decisores houve (agora sou eu a pensar) que ao longo dos anos acreditaram que os cartões com chip, sem contacto, eram a resposta a tudo o que desejavam; que podiam saber em que estação de metro o passageiro entrou e onde saiu, qual a carga dos troços por onde andou, qual a quota da receita a que cada modo de transporte tinha direito.
Ingenuidade. O sistema de controle de acessos não está operacional 100% do tempo em 100% dos locais, não evita a fraude, precisa, por razões de segurança, da presença de pessoal. Não valeu a pena obrigar os passageiros ao segundo esforço à saída para se saber a carga dos troços. E continuam a calcular-se os passageiros sem a validação de um inquérito profundo, á antiga, que permitisse uma repartição de receitas mais justa. Porém, se se pretende justiça, porque não levar a integração ao seu clímax, à fusão num operador único a exemplo de Paris, Bruxelas, Milão, Barcelona e agora em parte, Londres , depois da falência de uma das infracos? Porque os burocratas de Bruxelas incensam o dogma de Adam Smith? Da concorrência? Como se não fosse possível um grupo de técnicos honestos garantir a exploração e manutenção de uma rede transportes integrada…. Têm os técnicos de explicar isto aos decisores… (fecho da minha meditação).

O conferencista fecha a sua intervenção serenamente, invocando mais uma vez o ideal do bilhete familiar, mais barato aos sábados e domingos, e as vantagens do park and ride (ocorre-me que o prolongamento da linha vermelha do metro para Campolide, só Campolide, será mais um investimento de baixo rendimento por não ter uma dimensão suficiente; ai a lei dos rendimentos decrescentes tão dependente da dimensão do volume da produção; mas que um park and ride logo a seguir, a Poente das Amoreiras, na zona em que a CML está a pensar uma nova urbanização, viria a calhar para bem de todos, viria; até se podia pôr portagem na Duarte Pacheco, para quem não quisesse deixar o carro no novo parque de estacionamento das Amoreiras).

Terminou a intervenção. Deixou-me um certo sentido de incompletude porque esperava ouvir o governante sobre a importância estratégica da reabilitação dos edifícios, do repovoamento e da reurbanização da cidade de Lisboa (com habitação, serviços, comércio e oficinas em cada bairro) e da redefinição dos limites e agregação dos municípios da área metropolitana; e esperava também saber novas atualizadas e com um planeamento bem definido sobre a atualização do plano estratégico dos transportes, anunciada na ordem dos economistas em Fevereiro de 2010 pelo senhor ministro dos transportes como a muito curto prazo, e confirmado o anuncio em resposta a um grupo de deputados da Assembleia da Republica no mês seguinte.
Mas não.
Porém, maior frustração foi quando a simpática coordenadora do evento, depois da última intervenção, anunciou que estava encerrada a sessão, justamente quando eu estava à espera que a assembleia fosse dividida em grupos e que cada grupo apresentasse as suas conclusões sobre todas as questões estratégicas tratadas e que um painel de coordenação as sintetizasse em seguida.
Mas não.
Tal não aconteceu, mas isso não tirou o brilho ao resto da semana da mobilidade.

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